terça-feira, 24 de junho de 2014

O AEE e a história de Palomar




“O modelo dos modelos”
Italo Calvino
Houve na vida do senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo, verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e realidade coincidam. Houve um tempo em que se buscava um ideal de homem e de sociedade baseado na perfeição física e mental. Aqueles que não se encaixavam neste padrão eram desde o nascimento eliminados. Com o passar dos anos e principalmente sob os efeitos das guerras mundiais, foi se pensando em corrigir as deficiências de modo que os sujeitos se aproximassem de um padrão de normalidade.
[..] Mas se por um instante ele deixava de fixar a harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres não eram de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas. Mesmo com todo esforço, estudos, experiências e tecnologias, percebeu-se que o ser humano não se encaixaria em um único padrão e que sempre que se tentava homogeneizar um determinado grupo, mais diferenças surgiam, saltavam aos olhos.
 [...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas realidades distintas, no tempo e no espaço. Aqui ocorre uma grande evolução de pensamento, uma quebra do paradigma da normalidade para a aceitação das diferenças como forma enriquecedora das relações. O resultado de tudo isso é uma série de combinações possíveis onde todos são beneficiados.
[...] Analisando assim as coisas, o modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para obter modelos transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até mesmo para dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio. Essa mudança ocorre também no interior do educador. Não é mais algo que ele observa de fora, mas tudo faz parte de um processo no qual ele também está incluído, desfazendo ideias cristalizadas, (pré) conceitos enraizados.
Neste ponto só restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos. Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus “nãos”, os seus “mas”. Aqui começa-se a enxergar possibilidades onde antes só se via os defeitos, começa-se a considerar que os defeitos não necessariamente estavam nos sujeitos, mas na própria estrutura que foi criada para aquele determinado grupo ideal.
Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece praticável. De tudo nos fica uma lição: a partir de agora não seremos nunca mais os mesmos, nos abriremos sempre ao novo, consideraremos sempre outras possibilidades.

Um comentário:

  1. Olá! Tatiane

    Muito interessante a forma como você colocou a sua reflexão sobre o texto e o Atendimento Educacional Especializado.
    Pontuando como você colocou a quebra do paradigma da normalidade para a aceitação das diferenças como forma enriquecedora das relações respeitando estas diferenças em cada indivíduo.

    Simone

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